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Sistema Plantio Direto: Caminho para Agricultura Regenerativa

23 de setembro de 2024 | Artigos

Na Sementes com Vigor, estamos ligados à agricultura regenerativa, acreditando no seu potencial para transformar o futuro do campo. Por isso, ficamos muito felizes ao receber este artigo especial de um amigo de longa data da nossa família, Juca de Sá, que compartilhou conosco sua visão sobre o Sistema Plantio Direto. Juca, amigo do seu Rail Basso, entende profundamente os desafios e as oportunidades da agricultura sustentável,  sua leitura tem tudo a ver com o trabalho que realizamos diariamente na Sementes com Vigor.

Aproveite a leitura e mergulhe conosco nesse caminho para uma agricultura mais regenerativa!

Sistema Plantio Direto: Caminho para Agricultura Regenerativa
Por João Carlos de Moraes Sá¹,²*, JeanKleber Bortoluzzi¹, Jonadan Ma¹, Marie Luise Carolina Bartz¹,³, Rafael Fuentes Llanillo¹,4, Ricardo Ralisch¹,5

Introdução
Há mais de 40 anos o Instituto Rodale introduziu o termo Agricultura Regenerativa (AR) atribuindo-lhe uma visão integradora e holística que considera como ponto chave a saúde do solo. Embora os seus princípios e práticas já existissem desde os tempos das comunidades indígenas, Robert Rodale (https://rodaleinstitute.org/ ) descreveu a AR baseada nos 7 “Ps”: 1) Pluralismo, que significa diversidade em espécies de plantas; 2) Proteção, que se refere a necessidade de plantas de cobertura para manter o solo coberto e controlar a erosão; 3) Pureza, relativo a não utilização de agro químicos e fertilizantes sintéticos na produção de alimentos; 4) Permanência, que exige mais plantas perenes e plantas com raízes vigorosas e robustas; 5) Paz, considerando a harmonia com a natureza, crescendo com ela em vez de lutar contra ela; 6) Potencial, que considera os nutrientes disponíveis através da ciclagem e seu reaproveitamento pelas plantas; 7) Progresso, que abrange a melhoria constante da qualidade e saúde do solo em termos de estrutura e capacidade de retenção de água. Essa visão holística no manejo de solo e plantas foi adotada, com o passar do tempo, por outros autores e novos termos surgiram tais como, Climate Smart Agriculture (Agricultura Inteligente para o Clima), Agroecology (Agroecologia), Sustainable Agriculture (Agricultura Sustentável), Integrated Farming (Agricultura Integrada), Regenerative Agriculture (Agricultura Regenerativa) e, mais recentemente, Carbon Farming (Agricultura de Carbono), criando várias linhas de pensamento e ações. Na realidade, todas essas “formas” de agricultura advêm do princípio postulado por Howard (1943) e Howard e Howard (1945) que fundamenta a visão de que a saúde do solo, das plantas, dos animais e dos humanos é uma só e indivisivel. Recentemente, Lal (2020) incluiu o ambiente como o componente que engloba todos os citados por Howard. Em paralelo, emergiu nos anos sessenta o debate sobre a agricultura conservacionista tendo como seu epicentro o Plantio Direto.  Da mesma forma, várias foram as maneiras de conceituar “essa prática ”, desde a mais simples, como o plantio sem revolvimento do solo -̶  No-Tillage, versão norte americana e a semeadura direta, versão brasileira  Ì¶  que evoluiu para uma forma mais ampla e complexa, cunhando o termo Sistema Plantio Direto (SPD). Esse último, expandiu-se com base no conceito divulgado pela FAO (https://www.fao.org/conservation-agriculture/en/ ) que agrupou três princípios ou “os três pilares do SPD”: 1) ausência de revolvimento do solo (restrito a linha de semeadura); 2) manutenção da cobertura permanente do solo (viva e/ou morta), 3) diversificação na rotação de cultivos, incluindo culturas de cobertura. Entretanto, o conceito de Sistema Plantio Direto (SPD) foi concebido e registrado pela primeira vez no Brasil no final dos anos 1970, no Manual Agropecuário para o Paraná (IAPAR, 1978) interligando os três princípios acima citados e aplicados de forma simultânea, como o caminho para obter sistemas de produção sustentáveis (Fig. 1).


Figura 1. Ilustração do primeiro registro sobre o conceito do Sistema Plantio Direto no Brasil - Fonte: IAPAR, 1978

Objetivos e princípios da Agricultura Regenerativa
O debate científico é essencial para garantir a qualidade, a credibilidade  e a compreensão das questões básicas que estão sendo deliberadas. A começar pela palavra regenerativa, oriunda do verbo regenerar, que visa recuperar e otimizar as funções e capacidades do solo procurando realizar  serviços ecossistêmicos num processo de constante melhoria. O principal objetivo da AR é aplicar o conceito de McAfee (2019) que é “produzir mais com menos”, ou seja: a) menos superfície de terra, b) menos entrada de agroquímicos, c) menos uso de água, d) menos emissão de gases de efeito estufa, d) menos risco de degradação do solo, e) menos uso de insumos baseados em energia fóssil (Lal, 2013, 2015 e 2020). Lal (2020) em seu artigo, postulou que a AR significa a procura em melhorar, controlar ou renovar os processos e ações conforme os critérios a seguir: a) melhorar a fertilidade do solo através do aumento do conteúdo de matéria orgânica do solo (MOS), do aumento da fixação biológica de N e da reciclagem de nutrientes, em vez do emprego de fertilizantes e insumos não renováveis; b) melhorar a estrutura do solo aumentando a atividade e a diversidade de espécies da biota (por exemplo, minhocas e microorganismos) além de introduzir raízes prolíficas e robustas de plantas em vez de arar o solo; c) Aumentar a disponibilidade de água mantendo a cobertura do solo e ao mesmo tempo incrementando a MOS para promover a maior infiltração, redução das perdas por escoamento e evaporação, controlando a temperatura do solo e promovendo a formação de bioporos com maior crescimento radicular; d) Controlar a erosão hídrica e eólica através de medidas preventivas como a manutenção de uma cobertura permanente do solo e diversificação de cultivos; e) Aumentar a taxa de infiltração de água reduzindo a formação de crostas e compactação através da manutenção de plantas vivas ou da adição de resíduos culturais, expandir o cultivo de plantas de cobertura e a criação de bioporos pelas raizes; f) Manejar a acidez do solo e gerar o equilíbrio dos nutrientes com o uso de biofertilizantes e não pelo uso de produtos sintéticos.
Em resumo, a gestão sustentável do solo, manejando o conteúdo de MOS e fortalecendo os mecanismos de reciclagem de nutrientes e a cadeia biológica, aumenta a resiliência do solo às mudanças climáticas, contribui para o aprimoramento da ecoeficiência que minimiza perdas, aumenta a eficiência do uso de recursos naturais e financeiros gerando menor dependência de insumos externos.

Interligação entre o Sistema Plantio Direto e a Agricultura Regenerativa
Parodiando R. Rodale, podemos dizer que o SPD, genuinamente desenvolvido no Brasil, fundamentado em sistemas de produção com base no aporte de C e nos seus princípios seja o sistema dos 12 “Rs”, ou seja: 1) Reinventa as estratégias e os processos na propriedade, 2) Repensa os modos de agir e as relações do solo com a preservação ambiental, 3) Reestrutura os agregados e a estrutura do solo com novos sistemas de cultivos e opções de manejo, 4) Revitaliza os ciclos biológicos e a biodiversidade, 5) Recicla nutrientes através da atividades biológica do solo, 6) Reconecta os atributos químicos, físicos e biológicos, 7) Reorienta estratégias operacionais minimizando o uso externo, 8) Reativa a biota e sua cadeia alimentar, 9) Resurge como o sistema de manejo do solo que produz mais com menos energia e recursos naturais, 10) Revaloriza a terra como o bem mais precioso para as gerações futuras, 11) Reduz o uso de combustíveis fósseis, de maquinas e equipamentos 12) Regenera o solo como um ente vivo produzindo alimentos, fibra e energia em harmonia com a natureza.
O exemplo de sistema de produção apresentado na figura 2 (adaptado de Sá, et al., 2023) enfatiza o postulado de McAfee (2019) de produzir mais com menos, ou seja, esse sistema reduziu cerca de 50% dos agro químicos, 20% dos fertilizantes, aumentou o aporte de C em 35% e a produção de soja em 15%.
 

Figura 2. Sequencia de cultivos compondo o sistema de produção desenvolvido na Fazenda Capuaba, Lucas do Rio Verde-MT nos ultimos 5 anos constituindo os três principios do SPD - Fotos cedidas por J.C.M. Sá, JCM e J.C. Soares (Zecão). Fonte: Adaptado de Sá et al., 2023
Dessa forma, podemos afirmar que a AR é consequência da ação coordenada de um sistema (Figura 3) com base no aporte C visando o seu balanço positivo, gerando o mínimo distúrbio do solo e que mescla a genética (cultivares e seu potencial de produção), o manejo cultural (época de plantio e estratégias dos tratos culturais visando a melhor janela da estação de produção), as plantas de cobertura e a diversidade de cultivos para manter o solo permanentemente coberto e protegido.    
Assim, a ativação das cadeias biológicas, o uso de bioinsumos como um catalizador e precursor de novos ciclos na microbiota aliada a diversidade das espécies resultarão em maior resiliência, expandido as inter-relações da cadeia trófica dos organismos do solo, resultando numa componente biológica mais equlibrada no solo. Aliado a isso, a AR incentiva o sistema agro-silvo-pastoril, a regeneração de áreas e biomas degradados e o reflorestamento com espécies nativas e exóticas
 

Figura 3. Síntese das ações de uso do solo visando a agricultura regenerativa. Adptado de Lal (2020).
 
Considerações finais
Regenerar significa fazer da agricultura uma solução para as questões da segurança alimentar e da preservação ambiental incentivando os agricultores a investirem em um sistema de produção baseado no aporte e no sequestro de C no solo e na vegetação permanente melhorando a qualidade e a renovação dos recursos hídricos, recuperando e fortalecendo a biodiversidade e tornando a agricultura geradora de serviços ecossistêmicos. A interação entre o Sistema Plantio Direto e a Agricultura Regenerativa se fundem em um só propósito que é desenvolver a atividade agrícola tendo em mente a preservação do meio ambiente e a responsabilidade social visando atender os anseios da sociedade como um todo, a preservação das demais espécies e a manutenção da vida em nosso planeta.  

Referências
FAO -  Conservation Agriculture, https://www.fao.org/conservation-agriculture/en/( https://www.fao.org/conservation-agriculture/overview/what-is-conservation-agriculture/en/).  
Fundação Instituto Agronômico do Paraná – IAPAR. Manual Agropecuário para o Paraná 1978.
Londrina : Fundação Instituto Agronômico do Paraná, v1, 742pp, 1978.
Howard, A. An agricultural testament. Nature 147(3733):590-591. 1943.
Howard, A., and L.E. Howard. Farming or Gardening for Health or Disease (Published later as The Soil Health: A Study of Organic Agriculture, 2010.) London, UK: Faber and Faber. 1945.
McAfee, A. More from Less: The Surprising Story of How We Learned to Prosper Using Fewer Resources—And What Happens Next. New York: Scribner. 2019.
Lal, R. Food security in a changing climate. Ecohydrology & Hydrobiology 13(1):8-21, 2013.
Lal, R. A system approach to conserva­tion agriculture. Journal of Soil and Water Conservation 70(4):82A-88A, 2015. https://doi. org/10.2489/jswc.70.4.82A.
Lal, R.  Regenerative agriculture for food and climate. Journal of Soil Water Conservation, v.75, NO. 5: 123-124. 2020.
Rodale Institute, Regenerative Organic Agriculture. https://rodaleinstitute.org/why-organic/organic-basics/regenerative-organic-agriculture/. Acesso em 23-08-2023.
Sá, J.C.M, Amado, T.J.C., De Oliveira Ferreira, A., Lal, R.  Soil organic carbon restoration as the key driver to promote soil health in no-till systems of the tropics. Soil Health and Sustainable Agriculture in Brazil, Mendes, I. C. e Cherubin, M. R., Editores, Soil Science Society of America, 2023 (“in press”).
 1 Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto, Rua João Caetano, n° 250, CEP 38010-090 – Uberaba-MG, Brasil
2 College of Food, Agricultural and Environmental Science – Rattan Lal Center for Carbon Management and Sequestration, The Ohio State University, Columbus-OH, USA
3 Centro Municipal de Cultura e Desenvolvimento de Idanha-a-Nova - CMCD – Portugal; Organic Farming - Parceria para Agricultura e Produção Biológica, Centro de Agricultura Regenerativa e Biológica - CARe-Bio – Portugal; Laboratório de Ecologia e Ecotoxicologia do Solo, Centro de Ecologia Funcional, Laboratório Associado TERRA, Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Coimbra - SEEL-CEF-TERRA-UC - Portugal  
4 Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná IAPAR-EMATER, Rodovia Celso Garcia Cid, Km 375, CEP 86042-902 – Londrina-PR, Brasil
5 Universidade Estadual de Londrina, Rodovia Celso Garcia Cid,PR-445, km 380, CEP 86057-970 , Campus Universitario, Londrina-PR, Brasil
* Autor  correspondente

Fonte: https://plantiodireto.org.br/

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